sábado, abril 13, 2013

A sociedade que quis ser politicamente correta e se perdeu por aí

Tenho relutado em escrever um texto, um pensar, sobre o que genericamente se convencionou chamar de ‘’politicamente correto”, que vem implementando inegáveis e importantes conquistas para seus fomentadores em todo o mundo – causas, ações e resultados, que ainda são e precisarão estar presentes, sempre.

Tendo dito isso, o que quero abordar exige reflexão e um desnudar muito perigoso. De um lado, nos transformamos em várias partículas, grupos, agregados em causas, mas a outra face disso tudo é que estamos usando de códigos e regras generalizadas para norteá-las. Isso leva o pensamento para o lado cinza do politicamente correto, que é termos, por conta destes mesmos códigos generalizados, jogado para debaixo do tapete agentes provocadores, nossos Buckowskis, rebeldes, transgressores, ativistas, poetas com dor n’alma, porque suas vidas, sua poesia, sua arte, não se encaixam no padrão genérico do politicamente correto, como também nas caixinhas estabelecidas pelo mainstream da sociedade.

Quando se generaliza, aí cabe muita coisa, penso. Sofremos os custos do não investimento massivo em Educação desde a queda do regime militar, que gerou uma ingorância generalizada e que, na minha opinião, tem levado grupos diversos, que lutam por seus espaços na sociedade do mundo ocidental, a exercerem uma ‘militância’ tão pobre quanto a de seus opositores – o outro, os outros. Pior: acabam por se autonivelarem, em uma guerra de egos, sem inteligência dialética, que já está levando à consequências ainda não visíveis ao vivo e a cores, mas que se desenha em frente de quem tem olhos nus. E deste esboço sairá o que a sociedade irá passar para suas crianças, adolescentes, o outro, no que diz respeito às relações humanas de amor e paixão, as relações humanas em si, a harmonia entre elas e, em última instância, trazer à tona o que a história e seus pensadores sobre o tema nos deixaram, que é a percepção e experiência da “relação humanística e o cuidado com a perda do humanismo dentro das relações”, como apontou um grande amigo. Muita responsabilidade, penso!

Aí, quando um ativista usa de artifícios como apontar o modelo da garota evangélica chamando-o de ‘maria mijona’; ou quando um homem defende, com uma convicção e argumentos assustadores, a volta do regime militar – atitude não tão incomum na classe média brasileira –; ou quando um outro, poeta e que atua na chamada camada inteligente do espaço cultural brasileiro, diz de um artista que sofreu mudanças e twistes cerebrais por conta de um acidente, que ele não deveria mais exercer sua capacidade de produzir arte, “porque sua arte de agora não é tão boa como a de antes”. E mais: que o “irritava profundamente” o fato deste artista ter se tornado um outro Ser que não aquele outro Ser; ou a insistência cega dos poucos restantes da inteligentsia do PT de que, sim, houve uma melhora no geral e houve uma melhora na Educação; ou quando a colunista famosa escreve algo na linha de: “ser rico perdeu a graça, porque agora você encontra seu porteiro em Paris”, como me contou um jornalista; ou quando...– a lista de exemplos como estes é farta e caberia em um livreto. E ouvindo e vendo, começo a perceber, com um medo de arrepiar, que nenhum desses são, em essência, diferentes um do outro. A preocupação, aí, não é com o Outro ou com o Todo, mas consigo mesmo e seu pequeno-grande mundo.

Em que momento deixamos de ser inteligentes e abrimos caminho para que os criminosos e farsantes levassem consigo os cidadãos que poderíamos ter ao nosso lado nestas tão importantes causas para um mundo mais justo e equalitário em todas as frentes? Foi quando deixamos, ainda entorpecidos pela queda do regime militar e o movimento das Diretas Já, que se completasse a macabra manobra de Silvio Santos, vendendo a TV aberta Record em 1989 para Edir Macedo, com o intuito de manter as massas, as classes D e E, ali, sobjugo, para continuarem alimentando, obtusas, seu império populista, uma verdadeira mina de ouro, que SS não teve o compromisso que lhe é, por lei universal do exercício da cidadania, usar em prol de uma melhora educacional desta mesma classe, mas sim nivelou tudo sob sua cega ingorância? Ou foi o fato de não termos percebido que quem sancionou esta venda foi José Sarney, até ontem presidindo o Senado e, desde sempre, exercendo uma influência mão de ferro nas políticas do País?

Ou foi quando simplesmente ficamos, deliciosa e languidamente, deitados em berço esplêndido, achando que ao simplesmente abraçarmos a “democracia”, ela viria por si só nos salvar de todos os males? E nem percebemos que, enquanto esperávamos, os meios de comunicação foram deixando de lado sua importante função, entre tantas outras, de desafiador intelectual e político, como agente profundamente inserido de modo essencial em um projeto de Educação para esta Nação tão, tão rica de inteligências e talentos! Tão suficiente! Em seu lugar, nivelaram seus editoriais a duas únicas classes, seja a menos favorecida – nas mãos de um setor educacional dos mais baixos no mundo –, seja se alinhando politicamente à elite brasileira, classicamente criticada pela sua total inércia em cumprir seu papel na construção de uma sociedade mais justa, mais educada, mais inteligente.
Estamos presenciando a edificação de uma cruzada, uma guerra santa, não a edificação de consciências. É muito mais fácil colocar o dedo em riste! Apontar para o outro. O difícil mesmo é exercer a cidadania lato sensu. Geramos e estabelecemos outras opções para as relações humanas e há de se tirar o chapéu para as árduas conquistas. Mas é preciso ficar atento e forte para o fato de não estarmos propondo algo novo, mas apenas reembalando a antiga caixona, dando um revamp nela.

Do lado da fé, relembro que minhas melhores amigas e amigos de mais de 20 anos – ou da década seguinte – são Hare Krishna, Budista, Messiânico, Espírita, Cristão-Evangélico, Católico, Judeu, além dos vários Ateus. Ninguém bate de frente com ninguém, falamos abertamente sobre o Plano Superior, o Espiritual, o Cosmos, a Consciência ... e todo mundo se admira e se ama. Talvez porque acreditamos que Deus, o Cosmos... faria mesmo o Ser à sua imagem e semelhança – belo por irradiar sabedoria e humildade, forte no combate, mas com o coração conectado na Paz e no Amor.

E pensando nisso tudo, olho em volta e me vem a imagem de que perdemos o bonde que dá na liberdade. Saimos da caixona para nos fecharmos em outras caixinhas. E vamos por aí, nos debatendo umas com as outras, na tentativa de quebrar a casca do ovo que depositamos com tanto esforço e esperança. Mas um ovo só nasce e se torna Ser se quebrado de dentro pra fora.


Foto: Sr Jagannath, Lorde do Universo, uma deidade hindu, cuja forma humana é expressa como em um cartoon pop.

Nenhum comentário: