quinta-feira, dezembro 16, 2010

2011 - por um Ano de Total Inclusão

Roger, Ilton, Junior e Beto. Foto: Fabio Heizenreder

Gostaria que 2011 fosse dedicado à política e atitude da TOTAL INCLUSÃO, principalmente frente aos especiais portadores de deficiência mental.

TOTAL INCLUSÃO envolve não apenas a educação: estamos falando de todas as formas de inclusão. Chamo, em especial, a atenção da imprensa e seu importante papel na construção de uma sociedade justa e livre de preconceitos. A participação ativa dos meios de comunicação neste processo já estava prevista na Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiências das Nações Unidas, de 2008.

Uma das bases usadas em vários programas mesmo aqui no Brasil é a exclusão do diagnóstico. Antigamente, as pessoas eram discriminadas pela cor de sua pele. Hoje, chamamos a atenção também para o olhar que primeiro vê o diagnóstico/condição e depois o ser humano.

Precisamos inverter esta ordem. É preciso saber que grande parte dos especiais portadores de deficiência mental não são diagnosticados, porque sua síndrome ou condição não está catalogada. Simplesmente porque todos os dias nascem crianças com condições que jamais saberemos o porquê. Como comentou aos pais de um especial um dos mais renomados pediatras e neuro cirurgiões da América do Sul, Dr José Salomão Schwartzman: “não existe botão mágico e, pronto, seu filho vira normal.”

Esta premissa do ‘não diagnóstico’ é levada tanto pelos estudantes de Terapia Ocupacional da USP, como pelo Programa de Educação Inclusiva (PEI), que vem sendo implementado pela Secretaria de Educação de Osasco desde 2005, com o apoio da ONG Mais Diferenças.

O diagnóstico não inclui – ao contrário, segrega, exclui. Para um portador de deficiência mental, não há cura melhor que a TOTAL INCLUSÃO. Que ele conviva e participe de todas as atividades – a começar pela educação – em sociedade como qualquer outro cidadão. O mellhor diagnóstico é observá-lo no dia a dia – em que áreas este cidadão ou cidadã se destaca, quais atividades tem mais interesse e aptidão.

Como jornalista, espero poder levar esta campanha aos meus colegas de profissão – que o especial, principalmente o portador de deficiência mental, receba mais espaço na mídia. Mesmo porque, de acordo com o Senso de 2000, a deficiência mental é a que afeta o maior número de pessoas entre os deficientes como um todo. São elas, também, as que recebem menos apoio da sociedade e do Estado. Não só no Brasil, como no mundo.

Eu vi, com dor e muitas vezes revolta, meus três primos e irmão (foto) crescerem sem serem aceitos em escola alguma, seja regular, seja especializada. O problema era sempre o diagnóstico – ele(s) não “alcançavam” o programa.

Alguém pode dizer que o diagnóstico ajuda a entendê-los melhor. Mas a melhor forma de entendê-los é um coração aberto. E o olhar não filtrado.

Só quase no fim de sua vida, meu irmão Junior foi finalmente aceito em uma das melhores escolas para especiais em São Paulo, o PEPA. Júnior sempre quis frequentar a escola normal, nunca gostou da escola para excepcionais , claramente se sentindo excluído. Vez por outra pegava um papel e uma caneta e expressava o desejo de aprender a escrever.

Quando finalmente frequentou o PEPA, principalmente pelo carinho recebido dos alunos, ouvi de Claudia Brondi, diretora: “é impressionante a vontade de Júnior de aprender”.

Chorei! E fiquei imaginando os progressos de meu irmão e primos caso tivessem sido totalmente aceitos desde tenra idade.

Não existe melhor cura para um especial que a TOTAL INCLUSÃO.

ABRACE ESTA VERDADE.

quarta-feira, novembro 17, 2010

Luxo no tempo e espaço

Texto primeiramente publicado na revista Mag!, tema 'Luxo', no início de 2010 e ilustrado com ensaio fotográfico de Ana Cabaleiro Rodríguez

“O luxo não é o oposto da pobreza, e sim da vulgaridade”. Ao usar a frase de Coco Channel quase no final de seu ensaio sobre o luxo, o autor alemão Hans Magnus Enzensberger ilustrava não apenas sua linha de pensamento, mas também a causa mortis do luxo enquanto bem material raro e exclusivo. Vulgaridade aqui não é o fato de muitos hoje terem acesso ao que antes era raro, ou que suas imitações sejam vulgares. “O luxo sempre enfrentou uma questão problemática do ponto de vista estético”, explica Hans Magnus. “Todo tipo de ostentação do luxo tende ao excesso: ouro demais, brilho demais, objetos decorativos demais, impertinência demais”.

O autor chama de necrotérios do luxo os duty frees e shopping centers. “Ali se expõem os miseráveis restos do querido defundo. O que há de sinistro neles é que se multiplicam como num filme de terror. O aspecto de distinção cai definitivamente no ridículo quando a desoladora mesmice aparece nas monótonas listas de in e out”. O luxo privado, como ainda o conhecemos, teria perdido seu espectador. “Onde não há mais nada a ser visto, o voyeur afasta-se com desdém”. Que forma, então, assumirá o luxo nesta “fuga de sua própria sombra?”

Enzensberger profetizava já em 1995: “sob o signo do consumo que cresce com rapidez, escassos, raros, caros e desejáveis não são automóveis velozes e relógios de ouro, caixas de campanhe e perfumes – coisas que podem ser adquiridas em qualquer esquina – e sim os pré-requisitos elementares da vida, como o tempo, a atenção, o espaço, o sossego, o meio ambiente, a segurança. Estranha inversão da lógica do desejo: o luxo do futuro diz adeus ao excesso e aspira ao necessário, e dele só há a temer que esteja à disposição de poucos. O que de fato importa nenhum duty-free tem a oferecer”.

Ao texto de Hans Magnus somou-se, um pouco depois, os estudos do sociólogo italiano Domenico De Masi, entre eles “O Ócio Criativo”. O livro, em formato de entrevista, fala do tempo livre como um potente instrumento – no desenvolvimento criativo humano da era pós-industrial; e revolucionário na superação dos formatos tradicionais do trabalho, que o separam do lazer e do estudo.

“Desde sempre o ser humano espera trabalhar o menos possível, enriquecer o máximo possível, cansar-se o menos possível, sofrer o menos possível”, lembra o sociólogo italiano. De Masi conclui que essa tendência histórica, aliada às novas tecnlogias, que substituem cada vez mais diversas atividades, como a do burocrata, nos levará para um futuro onde “será difícil distinguir estudo, trabalho e tempo livre”.

O tema tempo inspira, em si, uma viagem filosófica. Entre as centenas de estudos e ensaios dedicados à ele ao longo da história humana, está a palestra de Jorge Luis Borges na Universidade de Belgrado nos anos 70. Borges cita, como muitos outros autores, Santo Agostinho: “O que é o tempo? Se não me perguntam, sei. Se me perguntam, ignoro”. Cita, ainda, o que acredita ser uma frase de Henri Bergson: “se tivéssemos resolvido o problema do tempo, teríamos resolvido tudo”. Borges a usa para elaborar, com humor: “felizmente, creio não haver o menor perigo de que seja resolvido; ou seja, prosseguiremos sempre ansiosos”.

O tempo livre que tanto apaixona De Masi é o mais próximo que podemos chegar do tempo em seu estado puro. Disse o sociólogo em sua entrevista para o Roda Viva de 1998, que bateu recordes de audiência na TV Cultura: “O problema é que o tempo só é livre se estivermos prontos para usá-lo segundo nossa autonomia. Se for assim, é um luxo. Não cabe aos outros organizá-lo. As estruturas organizadas para o tempo livre na praia, por exemplo, são verdadeiros campos de concentração. Tudo já é pré-planejado. O tempo livre deve ser, sobretudo, o momento do luxo. Portanto, devemos nos preparar.”

Estamos preparados para auto-gerenciar nosso tempo livre criativamente? De Masi aponta a educação como ferramenta fundamental, não a educação de tapa buraco típica das escolas públicas brasileiras, mas a educação de alta qualidade, que incentiva a pesquisa científica e o fazer puramente artístico. Das universidades com capacidade de promover o conhecimento e a diversidade que este pode gerar.

As idéias de Enzensberger e De Masi vêm, de certa forma, se materializando desde o final do século passado. A chamada economia criativa, vista como um dos motores propulsores de uma nova ordem social, ecológica e de mercado, está em toda a parte e é a que mais cresce no mundo desde a virada do século. Entre 2000 e 2005, o comércio internacional de bens e serviços criativos aumentou a uma taxa sem precedentes de 8.7% ao ano, atingindo um volume total de vendas de 424.4 bilhões de dólares em 2005(*). Recentemente, o tema foi capa da Revista da Folha.

Em Londres, por exemplo, a economia criativa responde por 1 a cada 5 empregos. Em entrevista à BBC Radio 4, Alice Rowsthorn, crítica de design do jornal International Herald Tribune, traçou com segurança as linhas para o futuro às portas da abertura do London Design Festival de 2009: “hoje, o manifesto ideológico para o design está mudando. No século 20, quando o movimento moderno ditava a ideologia, design era basicamente produzir coisas palpáveis, fossem elas bidimensionais ou tridimensionais. O design hoje está mudando junto com a economia e a indústria. É cada vez mais sobre imaterialidade, software design, o design de interface decidindo como controlamos as coisas. Mas também atuando na esfera dos princípios do pensar em design, da capacidade de resolver um problema”. Ou, ainda, como complementa um dos editoriais dos organizadores do festival, “projetos cujo foco sejam justamente idéias”.

A corrente existe, é fértil, vem repleta de esperança e, pela primeira vez na história, com ações concretas na direção da inclusão, do “luxo para todos”. Os diversos projetos desenvolvidos em milhares de comunidades em todo o mundo dão provas desta boa vontade dos Homens sobre a Terra. Como a gigante sueca Ikea, produtora em massa de móveis e utilitários baratos, que recentemente lançou painéis de parede unindo a designer holandesa Hella Jongerius à comunidade de mulheres indianas trabalhando em oficinas patrocinadas pela UNICEF. A idéia parece não ser apenas a de explorar uma exigência crescente dos consumidores, que cada vez mais buscam a marca do comércio justo nos produtos que compram, mas a de que o design e as técnicas disponibilizadas pela mega empresa ensinem essas mulhers o necessário para começarem seu próprio negócio.

Da ponte entre a Suécia e a Índia, podemos olhar, também, para projetos como o do artista popular brasileiro Nilson Pimenta, que mantém um atelier de arte ambulante e outro fixo na Universidade Federal do Mato Grosso para pessoas de baixa renda. Conta Nilson sobre um de seus alunos: “Tem um cara que ficou comigo por 25 anos. Hoje a vida dele é a arte. Em uma hora de relógio, pinta um quadro e ganha 20 reais, mais roupa e comida. Muitas vezes pinta enquanto o comprador espera. Vende para qualquer um. E durante o mês monta seu salário. E tem outro que é artista, mas ainda mexe com drogas, mas se não fosse a arte já poderia estar morto”.

As possibilidades são infinitas e vêm se multiplicando em todo o mundo. Mas como muitos apontam – e lutam por –, este processo só vingará se conseguirmos superar o assustador desastre ecológico e social que bate às portas todos os dias. De um lado, a ameaça de uma massa de desempregados sem educação e espaço para poder transformar seu tempo livre em algo que o beneficie e o torne sustentável. De outro, talvez nossa impotência para nos livrarmos dos obstáculos herdados da era industrial – e de nossa própria história. Há muitos, mas vale lembar pelo menos dois centrais apontados por De Masi:

- o dos burocratas. “A criatividade é a fantasia aliada à realização. Realização sem fantasia gera burocratas. E burocratas são sádicos. Um burocrata é feliz quando pode matar as idéias dos criativos; quando pode dizer: ‘o prazo venceu’. Na sociedade pós-industrial, haverá cada vez menos lugar para os burocratas, pois são o oposto da estética e da criatividade. A criatividade e a estética são as dimensões que, mais do que qualquer outra coisa, determinam nossa felicidade. E os burocratas determinam nossa infeliciedade”.

- o da globalização psicológica. Não existe nada que a expresse melhor do que a foto de dois índios brasileiros sentados numa lanchonete comendo hambúrgueres do McDonald’s com copos descartáveis de Coca-Cola à frente. Como bem ilustra De Masi: “vivemos em uma globalização psicológica que, de um lado, transforma o mundo numa grande vizinhança, mescla as experiências, mas, de outro, aniquila as diferenças. E aniquilar as diferenças é terrível”.

E se não conseguirmos derrubar pelo menos esses obstáculos, é bem provável que entraremos novamente em zigue-zague, como sugere o título do livro de Enzensberger, que conclui em seu capítulo sobre o luxo: ‘É difícil dizer como os bens escassos do futuro – o tempo, a atenção, o espaço, o sossego, o meio ambiente, a segurança - serão distribuídos, mas uma coisa é certa: quem só tiver um deles, não terá nada. Pelo menos nesse aspecto, o luxo também continuará a ser no futuro o que sempre foi: um obstinado adversário da igualdade”.

xxxxx

(*) dados da Conferência sobre Comércio e Desenvolvimento das Nações Unidas. (United Nations Conference on Trade & Development).

Referências sugeridas:

-Zigue-Zague, coletânea de ensaios, includindo “Luxo: Passado, Presente e Futuro – Reminiscências do Excesso”, de Hans Magnus Enzensberger
-O Ócio Criativo e outros títulos, de Domenico De Masi
-Roda Viva, TV Cultura, entrevista com Domenico De Masi
-O Brasileiro entre os Outros Hispanos, de Gilberto Freyre
-Borges Oral, incluindo “O Tempo”, de Jorge Luis Borges
-Ivy-marãen: a terra sem males, ano 2997, de Darcy Ribeiro
-After the Crunch, compilação de textos de renomados escritores, jornalistas, designers, entre outros, sobre a economia criativa, gratuito na web. Publicado pela Cultural & Creative Skills em abril de 2009.
- Quanto Vale Ou É Por Quilo, filme de 2004 de Sérgio Bianchi

domingo, setembro 19, 2010

O rock e eu

Eu deveria ter embarcado para Porto Alegre em 7 de setembro último para uma série de matérias, todas sobre música. Mas quebrei o pé no dia 2 e fui proibida de fazer qualquer coisa que não fosse relaxar e esperar 30 dias. Perdi também minha passagem de volta à Londres. E não faltaram pessoas a dizer: ‘ah, é um sinal para você ficar quietinha’... Pode até ser, sem esquecer o lado ingrato que foi perder alguns trabalhos, coisa que não posso me dar ao luxo... Mas ajudou a ter tempo de escrever o artigo sobre o pastor James Taylor, por exemplo, e este aqui.

Entre os entrevistados em POA estaria Humberto Gessinger para uma pauta que acabei desistindo de fazer, algo na linha de: como a indústria selvagem, atitudes anti-culturais e uma série de tragédias enterraram o sonho de um movimento rock nos anos 80. Na troca de emails com Humberto sobre o tema e minhas dúvidas, ele gentilmente disse que estaria me mandando seus últimos trabalhos – o livro Pra Ser Sincero – 123 variações sobre um mesmo tema, e um DVD de seu projeto de algum tempo já com Duca Leindecker, Pouca Vogal.

Li a primeira parte do livro bem rapidamente, a segunda vai levar muito mais tempo. Esta primeira parte me inspirou a escrever este artigo, talvez tentando colocar as coisas em perspectiva para queridos amigos e colegas de profissão, que vêm me pedindo para escrever um livro sobre os anos 80, ou dizendo que eu deveria voltar a escrever sobre música.

Mas antes, quero falar um pouco sobre o livro do Humberto. Nunca gostei de biografias, o primeiro entre tantos outros pecados capitais, segundo os especialistas, para uma jornalista de música, coisa que nunca fui. Não gosto de biografias escritas por terceiros e, salvo erros que sempre cometo, não há tantas autobiografias por aí. Acredito que tenham valor apenas quando a vida da pessoa tem um fato muito relevante socialmente, como a vida de violência vivida por Tina Turner com seu marido, ou o envolvimento com drogas de Ray Charles , ou a forma como Oscar Wilde foi vilipendiado por ser homossexual... No sentido de ajudar outras vítimas...

O que não gosto em biografias é a masturbação dos autores não protagonistas sobre a obra do artista, seja ele filófoso, poeta, escritor, poeta rock-pop. E o crime que cometem ao tentar dissecar a obra, buscar ali uma verdade, no estilo o-que-quis-dizer. Para mim, isso mata qualquer obra: limita a interpretação e o imaginário pessoal, que é a razão maior de uma obra artística existir. Aponta para uma verdade que nada mais é que a verdade do autor (da biografia), que fala da obra como um cardiologista. Operações deste tipo não me interessam. Não me interessa saber o que está atrás da canção, da poesia, da obra, mas de que forma elas me influenciaram e me tocaram particularmente. E como tocaram e influenciaram outras pessoas.

Salvo engano, acredito ter sido Nietzsche quem disse: “o filósofo mente, o poeta diz a verdade”. O filósofo faz passar o filtro da razão, o poeta fala de coração. O maior tesouro da poesia – seja qual for sua categoria, a poesia literária, mais filosófica, ou a poesia pop-rock, mais simples de coração – é justamente sua capacidade de universalizar e logo em seguida particularizar, quando é apropriada pelo leitor-ouvinte, que a transforma novamente em algo pessoal, só seu e de mais ninguém... seu tesouro particular... o biográfo alienígena, com suas verdades por trás da canção ou poesia ou obra, se interpõe nesse livre reverberar natural da arte. É, no mínimo, pretencioso, senão cruel. Podem dizer que dá mais elementos para entender a obra, mas eu considero que a fecha em caixinhas particulares.

A primeira parte do livro de Humberto é autobiográfico e tri-simples de coração. Não poderia ser diferente, vindo dele. Aproveita as primeiras 26 páginas para contar sua história, usando sua marca registrada que são suas frases e visão de mundo muito particulares. Tocante mesmo aqui é como fala da mulher Adriane e da filha Clara. Por ele, diz, acabaria esta parte do livro ali mesmo, na página 26. Mas resolveu continuar. “Daqui pra frente, vou me valer desta abstração que é a contagem do tempo em anos, pois me falta ciência para situar bem o que fiz em relação às tribos e ondas do momento. Efeito colateral dos coloridos livros de geografia da minha mãe, tenho gráficos e tabelas com todos os shows, gravações, videoclips e programas que fiz. Por si só, dizem muito pouco, quase nada. Serão úteis para criar um quadro pontilhista. Impressões numa imagem sem linhas. Curioso caso em que quadro será moldura. Continuo achando que, falem bem ou falem mal, os discos falam por si. É só ouvir.”

Talvez só para mim e mais alguns gatos pingados jornalistas, Humberto é um dos poucos daquela época que conseguiu manter um discurso coerente. Entre os fãs, pelo menos 123 mil outros corações sentem o mesmo. Dá para sobreviver e ser feliz assim.

A segunda parte do livro traz 123 letras de canções. Provável que o livro não tenha recebido espaço merecido na sopa de letrinhas que é a grande imprensa do eixo Rio-SP, e que continue restrito ao infinito momento 1, 2, 3 marcado pelas baquetas no início da canção. Mas sair na grande imprensa, no entanto, deixou de ter importância... E talvez nunca realmente tivesse alguma.

Pra ser sincera

A primeira parte do livro de Humberto me inspirou a escrever este pouco sobre aqueles anos 80, meu papel ali, como me vejo, aquela coisa de que falei lá em cima, de colocar em perspectiva para aqueles que me pedem ou para escrever um livro – de jeito nenhum, nem pensar, imagina, claro que não – ou voltar a escrever sobre música – ibidem.

Eu já trabalhava há três anos na Abril quando a BIZZ foi idealizada pelo Diretor de Publicidade do Grupo, Carlos Arruda. Na época (84), era assistente de promoção de Arruda e o tanto de revistas sob seu guarda-chuva. Antes, porém, tinha trabalhado como secretária do Departamento de Pesquisa de Mercado da Abril. Sonia Novinsky me indicou para Carlos, quando decidi deixar esta profissão que exercia há 6 anos. Estava na universidade e se não me falha a memória, já havia mudado de Economia para Jornalismo na PUC-SP. Na minha turma – ou uma turma adiante – estavam amigas inseparáveis desde então, como Nelcy Del Grossi, e os que deram certo na profissão, como Astrid Fontenelle e Graziela Azevedo, entre outros. Na banca de professores, pesos pesados daqueles tempos, como Matinas Suzuki e Gabriel Priolli. E um outro que não me lembro o nome, mas disse algo que nunca esqueci – um bom repórter é aquele que consegue um misto de senso de oportunidade, talento, mas, principalmente, sorte. Nem me vejo muito no primeiro ou segundo – fui sempre muito ingênua e idealista para sacar essa coisa de oportunidade, e dei muito duro para conquistar um pouco de talento na escrita. Mas com certeza sempre tive sorte. Até hoje, basta eu estar escrevendo sobre um assunto para que informações venham assim, como do nada, seja no encontro casual com uma pessoa especialista, ou num simples ‘zappear’ na TV.

Voltando a como fui parar na BIZZ, um dia Carlos Arruda chamou Sonia Novinsky para encomendar uma pesquisa no primeiro Rock`n`Rio (85) para a revista que já estava ali se desenhando. Fui chamada no meio da reunião, com Sonia dizendo: “só vou para lá se levar a Sonia Maia comigo para fazer o campo, a linha de frente, entrevistar o público”... Na época o nome composto, Sonia Maia, já tinha se tornado padrão, para diferenciar a secretária da chefe. Coincidentemente (ou não), dali pra frente ninguém mais me chamaria apenas de Sonia, ou apenas de Maia. Nem os ingleses!

Claro que gostei de ir para o R’n’Rio. Era minha primeira oportunidade de mostrar meus talentos de repórter, de assistir ao evento histórico de graça e ficar hospedada em hotel cinco estrelas. Mas acredito ser relevante, também, lembrar por onde eu andava um poucos antes desta época, quando não estava trabalhando de 2ª. a 6ª, das 8 às 6, sempre para uma grande corporação, outro padrão de toda a minha vida até os dias de hoje. (Mesmo os últimos nove anos em Londres).

Venho de uma família de classe média baixa, enorme, de descendência italiana da Calábria de um lado, e carioca de outro, extremamente unida, cheia de amor. O fato de ser, em algum momento, meio arrimo de família, precisei garantir o pão de cada dia. Não dava para arriscar muito além daquele horizonte seguro das corporações. E sempre trabalhei muito – usava o resto do tempo para me divertir, como bem entendesse, vivia o mais intensamente possível, para compensar a escravidão horário integral. Essa é minha visão ideológico-política do trabalho. Por outro lado, uma das minhas paixões é trabalhar – seja limpando o chão da casa, seja como secretária, seja como jornalista. You name it!

Dos 21 aos 26 anos, minha turma era da zona norte, apesar de eu ser da zona sul de SP. Uma mistura deliciosa de heteros e gays, na qual eu era uma das poucas mulheres. Mudei de Economia para Jornalismo por causa deles, em especial meu companheiro da época Roberto Vendramini Carvalho, que até hoje escreve maravilhosamente bem, mas recusa-se a publicar qualquer coisa. Deveria ter me inspirado nisso também. Algumas dessas pessoas, como Humberto Gentil, já acumulavam pelo menos mil livros nas estantes. O casal Arnaldo e Ricardo eram responsáveis pelas decorações e comidas fantásticas nas festas sempre inesquecíveis que promovíamos. Várias no bar Aleph, em plena Al Santos com Augusta. Líamos muito – Jorge Luis Borges, Gabriel Garcia Marques, Nietzsche, Oscar Wilde, Fernando Pessoa e por aí vai. Passávamos dias e noites filosofando, ouvíamos muita música cabeça - Egberto Gismonti, Miles Davis, Hermeto Paschoal - e adorávamos artes plásticas. E acreditávamos no auto-conhecimento e descoberta de novos mundos através do LSD. Sem querer aqui parecer mais comportadinha, nunca fui de me drogar muito – seja por conta do trabalho, seja porque não tava no meu DNA mesmo. Mas quando me interessava, aderia. Nessa época o Carbono 14 e Madame Satã já existiam, mas eu estava com esse pessoal e tínhamos o bar Aleph, do Roberto. Fui começar a frequentar esse circuito rock mais tarde, um pouco antes da BIZZ.

Então, lá fui eu entrevistar o público do Rock’n’Rio e lá nasceu, também, o meu foco como jornalista que inicia sua carreira numa revista de rock e pop: desde o primeiro momento meu interesse era o movimento que aquilo tudo estava gerando e que, ingenuamente, acreditei poderia mudar a face do Brasil mais do que a política e a economia juntas. Acreditei mesmo que se haveria um dia revolução social no Brasil, ali estava uma chance e tanto. E eu queria reportar aquilo, fomentar. Não gostava do mainstream – me interessava o underground. Nada a ver com as bandas, mas com a máquina. Não havia muita gente no jornalismo interessada no underground propriamente dito, então assumi aquela bandeira. Para mim, quanto mais sujo o som, melhor. Mas a música não tinha muita importância, e sim o que ela estava provocando.

Nunca tive coleções de discos, nem li biografia de astro algum, a menos que tivesse que escrever sobre ele(a). Se me perguntarem qual o primeiro disco do Bowie, não saberia dizer, como não sei até hoje. Minha atual coleção de CDs, formato que odiei desde o primeiro momento, é pífea. A de MP3 um pouco melhor, mas mesmo assim comparada com as de jornalistas de música e músicos! Meus 90 vinis ainda estão em Londres, e ficaram no Brasil pelo menos seis anos antes de conseguir levá-los para lá. Meu ‘aparelho’ de som é hoje das lojas Bahia. Enfim, tudo isso para ilustrar que desde sempre em casa gostei mais do silêncio. E quando ouço música, é um momento especial, normalmente para dançar... Por isso gosto muito mais de pistas de dança e shows. Minha relação com a música é corporal – não gosto de deitar e ouvir música, ou ouvir música enquanto tomo banho ou enquanto estou em casa fazendo nada. Gosto de ouvir música no carro – e já que odeio carros nem isso rola mais... Gosto das quatro paredes e do silêncio, tanto quanto da pista de dança, onde não consigo ver ninguém, tal espiral na qual me envolvo.

Portanto, podem ver, era totalmente descredenciada para falar sobre música - nunca escrevi resenhas de discos na BIZZ. Mas talvez por isso mesmo cabia bem no papel de repórter. Das bandas e seus autores, me interessava mais o que diziam... Sempre que pegava um novo disco, antes mesmo de colocar na vitrola corria para o encarte com letras... Daí a música fazia sentido, como uma moldura. Os álbuns funcionavam primeiro como livros de poesia pop-rock para mim. E o pessoal dos anos 80 era realmente bom nisso. Fartamente bom, em todos os estilos: Julio Barroso, Cazuza, Renato Russo, Arnaldo Antunes, Cadão Volpato, Edgard Scandurra, Pamps, Humberto Gessinger, Rubs Troll, a dupla Sandra Coutinho e Rosália Munhoz, Julio Reny, João Gordo. Só aí já temos um momentum e tanto... E há tantos mais... Dezenas deles.

Era a repercussão deste discurso na mente e atitudes dos jovens que me interessava reportar. Tinha uma obsessão em trabalhar sob as estritas regras éticas do jornalismo, quando as linhas eram bem mais claras, quando jornalista não saia com sua foto estampando sua reportagem. Nunca gostei de ir para back stages, por exemplo, apesar de ter ido a alguns. A música ao vivo, porém, tanto quanto a música da pista, sempre me atingia o ventre e pés em cheio. Danço loucamente, para mim mesma tem um efeito delicioso, mas nunca dancei em frente ao espelho, então nunca soube como as pessoas me vêem. Em shows, conseguia me conter na maior parte das vezes (em nome da ética jornalística). Quando não conseguia, saia das salas VIPs e tentava me camuflar entre a audiência. Porque tenho a sensação de que quando te vêem dançando em um show, te tiram pra tiete, diferente de você dançar na pista, que fica mais claro é pela música... Sempre dancei pela música – sou leonina com muitos planetas chaves na casa 10, incluindo o sol, então nunca conseguiria ser tiete, outra coisa que não está no meu DNA. Sempre entrei nas entrevistas com artistas famosos como se fôssemos iguais – no sentido de nunca ter me sentido ‘nossa, meu Deus, estou na frente do... Renato Russo, do Cazuza’...

Não me interessava por back stages por duas razões: primeiro, não condizia com a ética e, segundo, porque nunca vi clima mais esquisito que o de camarins, principalmente pós-show. Só a tietagem para cegar esta percepção. Por conta disso, cheguei a cometer mesmo algumas gafes, como quando não fui agradecer ao Renato a dedicatória que me fez no show de aniversário da BIZZ no Projeto SP. Eu tinha ido recebê-los no hotel, e ele com aquela sua vozinha: ‘se eu não esquecer, vou lhe oferecer uma música hoje à noite’. Resolveram fazer um show de covers, e Renato soltou, antes de Heroes, do David Bowie: ‘esta vai para uma moça chamada Sonia’.

Por conta da lisura jornalística também, evitei me relacionar pessoalmente com artistas que já tinham alcançado um certo olimpo. Mas tive encontros mais pessoais com alguns, fora das entrevistas, mas nunca passaram de um ou dois. E segui por mais de cinco anos escrevendo e reportando bandas ainda desconhecidas, fazendo algumas das grandes entrevistas com os grandes nomes, e me divertindo com as bandas underground e meu círculo de amigos, que não estavam ligados necessariamente ao rock, e o qual matenho firmes laços até hoje, incluindo aquela turma da zona norte.

Aí, simplesmente, deu uma vontade de mudar. Depois de 4 ou 5 anos, era chegada a hora de move on...Pensei: estudei jornalismo porque me interessava pelo lado político-social da coisa. Tenho que ir além do rock. Foi quando deixei a BIZZ para fazer outras coisas. Tudo que importa escrevi lá. Basta recuperar os arquivos, que agora estão digitalizados e foram lançados até em CD, ouvi dizer...

Eu nunca me dei muita importância, pra ser sincera. Jornalista não era importante, ficava ali deliciosamente oculto atrás da mesa e da máquina de escrever. Era mais uma fazendo meu trabalho. O que achei curioso é que, depois de mais ou menos três anos fora do circuito, amigos vieram me contar estórias, no mínimo, engraçadas... Um disse que estava um dia conversando com um cara no balcão de uma casa noturna e meu nome apareceu do nada, com a pessoa dizendo que eu tinha ido morar em Londres, pelo menos oito anos antes de eu tomar esta decisão. Outro comentou que esticou o pescoço ao ouvir um grupo pronunciar meu nome - sempre o Sonia Maia -, e que falavam: ‘ela casou com o fulano de tal’, acho que um artista em evidência na época que não lembro mais o nome. Claro, não havia me casado com ele. Meu primo, que morou comigo um tempo e trabalhava montando gôndola de supermercado com saquinhos de batata frita, comentou com um colega que morava com a prima, Sonia Maia. E ele: “a Sonia Maia da BIZZ? Cara, você tem que me levar para conhecê-la!” A que meu primo rechaçou com sua típica atitude de primo-machista-protetor: "Sai prá lá cara! Que conhecer que nada!”... e mais recentemente acabei sabendo que um cara disse nunca ter ido para a cama comigo porque “eu tinha transado com o Cazuza!” Não, nunca transei com o Cazuza, ou outro pop star. Tinha vastas opções pelas noites afora. E na platéia (rs).

Então, veio aquela sensação não muito agradável de que eu talvez tivesse me tornado uma lenda – melhor dizendo, lendinha. Nada pior né... Eu, particularmente, fico feliz de não ter voz – importante são os acontecimentos e a forma como são reportados.

Desde que me conheço por gente digo que se um dia tivesse que agradecer alguém pelo que sou e pelo que me tornei, o faria a meu irmão. Acredito que para me entender, é preciso entender a minha relação com Júnior e talvez o tributo que escrevi à ele possa ajudar. Está aqui no blog, no arquivo de janeiro de 2010.

Daquela época, os anos 80, e olhando agora com os olhos e sentidos de quem esteve muito tempo fora do país – últimos nove anos em Londres – tenho a impressão de que os mais felizes são os que conseguiram se livrar das garras da máquina ou sobreviver à ela. Muitos não conseguiram. Humberto talvez seja um dos raros casos – talvez a má crítica deu-lhe a liberdade de ser o que é, o que acredito teria acontecido mesmo se ele fosse uma unanimidade como o Renato. “Tem dias que gostaria de acordar e simplesmente fazer um Abba brotar”, disse não exatamente com essas palavras, mas com este sentido um dia Renato Russo em uma de suas entrevistas à mim. Cazuza se deixou levar...Foi lindo o que fez para a história e contra o preconceito aos portadores de HIV, mas custou-lhe um alto preço. A Veja carregará para sempre o carma de uma atitude ignorante, nefasta, preconceituosa na sua famosa capa de 89. Disso, jamais se livrará. Ninguém da nossa época esquece – ou deveria esquecer.

Foi sintomático. Com aquela matéria, fechavam a tampa de um movimento e minimizavam à zero sua importância na cultura brasileira. Como se a máquina tivesse colocado em um paredão obscuro todos os seus protagonistas para esconder o ato dizimador do grande público, metralhando-os, ali, não sem antes vedar-lhes bem os olhos... ou pior, não metralhando-os, mas sim encurralando-os por anos a fio, como em uma câmara de tortura, deixando pingo a pingo cair, até se renderem e finalmente serem jogados a sete palmos abaixo da terra.

Outro dia, conversando com um primo de 18 anos, que entrou em uma festa de família com a camiseta dos Beatles, perguntei se conhecia A, B e C, nomes logo após o primeiro escalão da música pop e rock daqueles tempos... E ele: ‘não é da minha época... não está na mídia... não conheço’. E eu: ‘mas Beatles também não é da sua época!?’... A conversa foi indo e ele se irritando, até que soltou: ‘olha, toda vida ouvi dizer que os anos 80 é da geração perdida, sem heróis”.

E olhei para ele sem conseguir conter um sentimento de piedade.

sexta-feira, setembro 10, 2010

Religão e Intolerância - o poder da mass mídia

Hoje fiquei entre CNN e Globo News na cobertura de 'to burn or not to burn' do Alcorão pelo pastor norte-americano Terry Jones, que carrega a fama de manipulativo e controlador, segundo a CNN, mas quem Luiz Felipe Pondé, no Entre Aspas hoje, considerou ' um representante autêntico (?) de uma América profunda, insatisfeita', entre outras bobagens ditas por ele, como quando fala:`no ocidente tolerância é um problema unicamente do ocidental regular, porque o muçulmano radical é intolerante`. Affe! Que revelação!

Mas Pondé acerta quando deixa de lado seus achismos - que desprezam o contexto histórico da questão muçulmanos radicais x USA - ao dizer que o governo Obama deveria ter intervindo na questão da construção da mesquita perto do destruído WTC há mais tempo. Em prol de uma postura de tolerância que não condiz em nada com a política armamentista fora de casa, deixou que um pastor tão ignorante quanto um muçulmano radical se tornasse a cereja em cima do bolo para a mídia de massa em sua constante e desesperada corrida por notícias com potencial bombástico. Hoje, em nome da notícia e da liberdade de expressão que a lei lhe outorga, o 4o poder faz o que bem quer sem pensar nas consequências e, princpalmente, na importância de seu papel social, formador e fomentador de opiniões. O ato de um pastor insignificante ir lá queimar uma dezena de Alcorões no quintal de sua igreja teria desencadeado tamanho furor no mundo se a mídia o tivesse ignorado? O que fez a mídia dar tamanha importância à Terry Jones, além de sua sede por audiência e de gerar polêmica?!

Durante a cobertura internacional, ficou claro que os muçulmanos em protesto estão entendendo a queima do Alcorão como um ato dos EUA contra o seu mundo. Para eles, o que aparece na mídia de massa é representativo da vontade de toda uma nação. Quem os levou a pensar assim? Por que são tão intolerantes, revoltados? A lista de razões é interminável, mas vale citar pelo menos dois elementos chaves históricos: o baixíssimo nível educacional e o dia a dia de luta para sobreviver em um ambiente marcado por governos corruptos dentro de casa e que foram alimentados, historicamente, pelas ex-potências ocidentais, que em casa falsamente hasteiam a bandeira de nações tolerantes, de uma democracia que estes povos nunca vivenciaram na prática e que até hoje só lhes trouxe desagravos.

Das lembranças de meus recentes dez anos vividos dentro da sociedade inglesa, sempre me lembro de um diálogo com Noll Scott, um dos jornalistas mais brilhantes que já conheci, que infelizmente não está mais entre nós, e responsável pelo melhor projeto de jornal on line já desenhado - o do The Guardian - e pelo qual ganhou vários prêmios.

- Noll, não consigo entender como vocês, ingleses, são tão tolerantes com atitudes, muitas vezes, visivelmente intolerantes de comunidades não-inglesas vivendo em Londres.

Ao que Noll simplesmente respondeu: - porque senão haveria uma guerra civil.

Como adverte Chris Brazier, autor do 'No-Nonsense guide to World History', publicado pelo New Internationalist, no capítulo 4, Deus e o Espírito - profetas e videntes despontam por toda Asia no século VI AC, pavimentando as raízes dos principais e mais modernos movimentos religiosos. 'O século VI AC foi um dos mais extraordinários da história humana. Mesmo assim, nenhum líder político ou historiador daqueles tempos entenderia como pessoas como nós, 25 séculos depois, nos lembraríamos dele. Talvez esteja aí uma lição: talvez nossa própria era será lembrada menos pela descoberta dos computadores e viagens aéreas, armas nucleares e chegada à Lua, que pelo nascimento de um obscuro profeta, cujas ideias varrerá o mundo nos séculos seguintes'.

Não surpreenderia o surgimento de um novo Hitler, não pela eleição 'democrática' de um povo, mas por uma via ainda mais nefasta: manufaturado pela manipulação da mídia de massa.

domingo, maio 02, 2010

Rufam os tambores para a 29a Bienal de São Paulo

A 29º Bienal de São Paulo, que acontecerá de setembro a outubro, iniciou, em 10 de março, seu ciclo de palestras no Teatro Arena. O artista albanês Anri Sala, convidado da noite, falou para uma sala lotada.

Como anunciam seus organizadores, “a Bienal deste ano está ancorada na ideia de que é impossível separar arte e política”. Neste sentido, foi muito benvinda a escolha de Anri Sala, que trouxe mais para perto de nós seu país, pouco conhecido por aqui, e como aquela cultura e política se injeta e se reconstrói na estética proposta pela sua arte. Não conheço a Albânia, mas tenho amigos albaneses. Além disso, questões da economia, política e cultura dos países do Leste Europeu passaram a fazer parte do dia a dia da comunidade européia desde a queda do muro de Berlim. Principalmente em lugares como Londres, onde vivi nos últimos dez anos. Talvez por isso, não pude deixar de ver em todos os trabalhos mostrados na noite por Anri Sala sua Albânia. Mesmo quando escolhe um prédio de Berlim ou uma fila de caminhões no Arizona como cenário.

Assim como outros artistas, Anri faz uso do cinema e do video como suportes. Diferente de muitos, o artista albanês mantém um aspecto comum da cinematografia, que é o ‘contar uma estória’. Anri o faz, no entanto, sob o ponto de vista de um artista interessado em enfatizar a estética, a sintaxe, a linguagem , os sons e, principalmente, o silêncio, para promover interrupções, descontinuidades e, com isso, trazer à tona ora o peso político, ora a tensão emocional, ora a influência externa que de outra forma não seriam notados nos universos que retrata. Anri usa tudo que aprendeu e pesquisou sobre arte para retratar a essência aprisionada no tema que escolhe, de forte apelo político, emocional ou simplesmente reproduzindo o que acontece ali mesmo no lugar da gravação, ao acaso, como foi o caso do posto de parada de caminhoneiros em uma estrada do Arizona.

O primeiro filme-documentário mostrado por Anri data de 1998, mesmo ano em que na Albânia um membro do parlamento era assassinado, uma mostra clara de que o país estava novamente à beira de uma guerra civil. Havia armas e tiros por todo o lugar, tantos que as pessoas tinham que sentar-se ao chão em suas casas durante as refeições, temendo serem atingidas por balas perdidas. “Crescemos acostumados ao som dos tiroteios e reportagens diárias de pessoas morrendo por causa de balas que ricocheteavam enquanto tomavam café nos seus terraços, ou dançavam na celebração de um casamento”, como contou, certa vez, uma amiga jornalista albanesa sobre aquela época.

No filme, a mãe de Anri assiste a si mesma na TV, uma gravação que ele recuperou, deixou muda e legendou. Sentados no sofá, a mãe protesta junto ao filho: “Não, eu não disse isso!”. Ela não parece irritada, mas estática ao ouvir a si mesma em uma entrevista concedida há 20 anos, quando fazia parte do Congresso Jovem Albanês e defendia uma política inspirada nas teorias de Marx-Lenin. “Aqui vê-se o colapso da sintaxe perante a abrupta e pesada mudança política desde a queda do sistema, e a adaptação às necessidades – a descontinuidade do conteúdo, da ideologia, de alguém que não quer assumir o discurso de uma época”, comentou Anri.

O artista apresentou, também, um filme de sete minutos rodado em um posto de repouso usado por caminhoneiros no Arizona. Com o rádio do carro ligado, percebeu que a frequência mudava toda hora que passava por um caminhão em cuja lona lia-se: Air Cushion Ride. Passou a rodar pelos caminhões e registrou a cena e os sons. Durante os exatos momentos da passagem por esse caminhão em particular, as ondas do rádio pescavam uma estação de música clássica barroca, transformando aquele cenário árido, um imenso pavimento de concreto de caminhões enfileirados, em algo completamente novo, poético, humorado, meio fanstasmagórico até – such as a ride on an air cushion. Ao deixar o caminhão para trás, o rádio voltava a transmitir a estação de country music na qual o artista supunha estar sintonizado.

Um músico transcreveu a gravação para uma partitura e Anri pediu, depois, para uma orquestra interpretá-la.

Além desses dois trabalhos, Anri mostrou ainda um curta rodado na Berlim de 2008 no prédio que serviu de base tanto para a CIA nos tempos da guerra fria, como para os nazistas durante a Segunda Guerra. Os três edifícios foram erguidos perto da The Devil’s Mountain (A Montanha do Diabo), criada artificialmente a partir de prédios destruídos em guerras passadas. Escolheu este espaço para retratar o momento de separação de um casal. Aí não há conversação, mas “o silêncio mostrando a dimensão negativa do discurso “, como ilustrou Arni. O personagem masculino jogava toda sua ira em uma bateria e na música ali tocada, enquanto a companheira pedia, inutilmente, que ele respondesse à ela. A acústica do local provocava um eco tão intenso, a ponto de induzir duas baquetas solitárias sobre uma caixa a tocar por si, no mesmo ritmo – o que intensificava ainda mais a tensão entre os dois, ao mesmo tempo que pacificava.

Finalizando a noite, Anri falou da mostra permanente que mantém em duas salas de cinema, uma em Paris e a outra em Berlim. São 60 filmes, escolhidos entre produções hollywoodiana e outras do circuito alternativo-cultural, cuja projeção sequencial está conectada a um termômetro, que provoca interrupções e alternância entre os filmes de acordo com a mudança da temperatura lá de fora.

Ao sair do Arena, parecia ouvir o rufar dos tambores da 29ª Bienal. Como conta sua história, “trata-se do único evento brasileiro assinalado no calendário internacional da arte e da arquitetura. Há meio século a Bienal de São Paulo vem projetando o Brasil no cenário mundial, sendo considerada, junto com a Bienal de Veneza, o mais importante evento do gênero entre os mais de cinqüenta existentes no mundo.”

E mesmo com as controvérsias que provoca, a Bienal nunca deixou de despertar o interesse de milhares de pessoas, de todas as camadas da sociedade, que vêem ali uma oportunidade de entrar em contato com um universo único – colorido e sombrio; desafiador e brincalhão; imenso por sua própria imponência ao mesmo tempo que pequenino como a cabeça de um alfinete; particular e global; poético e irritante; e ainda mais: também um espelho do outro e de nós mesmos. E talvez naquela noite pós-visita, como sugeriu Chico de Assis no final de sua fala no Arena, algumas pessoas cheguem em casa, olhem no espelho e vejam diante de si a grande arte. “Então”, continuou Chico, “hoje, quando forem dormir, não durmam na mediocridade de seu quarto, mas sim onde estão, em uma galáxia.”

*

A 29ª Bienal não começa nem acaba no seu pavilhão do Parque do Ibirapuera. Promove, ainda, um conjunto de ações, como nove oficinas, ciclo de palestras, workshops, residências artísticas e um programa educativo envolvendo perto de 6.000 profissionais do setor. Boa parte dessas atividades acontecerá no Teatro Arena e em parceria com a Funarte e o Projeto Capacete.

quinta-feira, janeiro 28, 2010

Ele, Edgard Maia Junior (1960-2008)


English follows Portuguese


Para ampliar o significado da palavra único(a), que uso logo no início e ao longo do texto, acrescento, como no Aurélio: “Que é só um. De cuja espécie não existe outro. Exclusivo; excepcional. A que nada é comparável .Diz-se de indivíduo lógico que é membro de uma classe de um só indivíduo”.


Acredito não existir relação tão única como àquela que uma pessoa possa vir a desenvolver com um especial. A partir do momento em que essa pessoa se propõe a atravessar a linha entre o chamado ‘mundo dos normais’ e o dos especiais, ata-se uma relação absoluta. O que sou, ou o que acredito haver de bom em mim, é graças a meu irmão. É como uma revelação, uma experiência intuitiva que se apodera de toda sua alma, coração e mente, transforma tudo à sua volta e determina suas ações, pensamentos, idéias e ideais. A forma como você ama e a forma como você luta. Falo no tempo presente do verbo, por ser uma experiência que acontece a todo o momento: infinita e renovadora.


Desde uma idade que nem consigo mais precisar de tão tenra, vi meu íntimo derrubar muros pesadíssimos, como o do preconceito. Aprender – em sua completude e com o poder que uma mente e coração ainda puros confere a um ser muito jovem – que todos somos iguais e que a todos devemos amar, é um privilégio. E desencadeia um efeito dominó no futuro ser humano adulto, influenciando a forma como ele vê e atuará neste mundo.


(Isso não quer dizer que nos tornamos – eu e meu irmão – seres absolutos, livres das impurezas e imperfeições inerentes ao ser humano, por conta pura e simples desta relação ou de sua condição especial. Quem nos conheceu sabe de nossa personalidade difícil, incisiva, inquisitiva, crítica e exigente. E que atingimos entes muito queridos, muitas vezes. A todos eles – ouso falar também em nome de meu irmão – pedimos perdão. Pois a mim, se me foi dada a oportunidade deste aprendizado tão único, sutil e intenso, por que não fiz melhor uso dele, sendo mais suave com todos à minha volta?)


Júnior tinha uma linguagem própria, criada por ele para substituir a linguagem das palavras comuns, que decidiu não fariam parte de seu vocabulário. O balançar cadenciado de seu corpo e o imenso sorriso de felicidade absoluta, que contagiavam a todos, eram sua marca registrada.

Lembro de chegando ao aeroporto há uns três anos via Congonhas. Naquele dia, excepcionalmente, Junior e minha mãe foram me esperar. E visualizei a cena antes mesmo de atravessar o corredor de desembarque.


Pensei: “Ele vai estar lá, no meio de todos os outros que aguardam seus entes queridos. E vai fazer uma festa imensa e vai abrir aquele sorriso de risada, e vai gritar ‘Tá Tá! Tá Tá!’, como ele me chamava, e vai esfregar as mãos, e vai invadir o corredor que ninguém invade e aí eu vou olhar para as pessoas além do cordão, e vou presenciar rostos estarrecidos, invadidos de uma felicidade até então deles desconhecida, e este momento vai acompanhá-los por um longo tempo.” E quando as portas da saída se abriram, foi exatamente o que aconteceu.


Havia sua sabedoria das questões mundanas, como quando nos explicou por que não mais deixava a mãe trabalhar (ou seja, sentar à máquina de costura). Era Yara sentar à máquina e Júnior a puxava de lá indignado. Um dia, sentada à mesa do café da manhã, perguntei: “Júnior, por que você não deixa a mãe trabalhar?”. Ao que ele respondeu: “Hã hã! Hã, hã!”, (sua forma de dizer ‘não’ balançando firmemente a cabeça para enfatizar). E apontou para mim: “Tá Tá! Tá Tá!”. E caímos na gargalhada! A mesma que dávamos ao seu gesto muito indecoroso com o dedo em forma de f*, acompanhado de uma expressão de zombaria, a qualquer político que aparecesse na tela da TV.


Seu senso de humor era sua mais potente forma de defesa. Usava-o para quase tudo, inclusive contra o preconceito. Certa vez, três homens não paravam de rir de seus trejeitos. A ponto de uma de suas inúmeras amigas e admiradoras, neste dia com Júnior e sua mãe, perder a paciência e dizer-lhes poucas e boas. (Quantas vezes não tivemos de dizer poucas e boas a tantos!). Mas Júnior não se abalava. Depois do pito levado da amiga, apontou para os três e caiu na gargalhada, como dizendo: ‘Aí, hem! Poderiam ter ido dormir sem essa!’.


Seus programas de TV prediletos eram justamente as séries de humor. Quando ainda jovem, os Três Patetas e O Gordo e o Magro. Nos últimos tempos, a série mexicana Chaves e Os Trapalhões. Mas detestava a Xuxa! Era ela aparecer na tela e mandava-lhe uma boa vaia.

Júnior também não jogava lixo algum no chão: qualquer resto de comida, papel ou embalagem, dava à mãe para guardar na bolsa.


E havia sua sabedoria da fé! Das questões espirituais! Não somos uma família de rituais religiosos visíveis, de ir à igreja com frequência ou orar constantemente em voz alta. “Deus está em mim e em minha casa!”, diz minha mãe, com sua característica firmeza e determinação. Júnior adorava frequentar igrejas, porque sua percepção de igreja era pura, a de como uma igreja deve ser, ou seja, a casa de Deus.


Mas não era apenas o prazer de ir à igreja que simbolizava a profunda fé de Júnior em Deus. Volta e meia, em casa ou na rua, seja lá onde estivesse, era comum Júnior ia ao chão em sinal de reverência, como fazem os hindus e muçulmanos, gesto que aprendeu de seu primo João – um Brahmani devoto de Krishna – e que adotou para si.


Para Júnior, a vida era para ser vivida em todo seu esplendor e plenitude, repleta da mais verdadeira alegria e felicidade, usufruindo cada minuto de prazer.


E foi exatamente isso que sua mãe Yara lhe deu a cada minuto de sua existência entre nós – literalmente a cada minuto, sem exageros, nem metáforas. Em casa ou onde houvesse um lugar para celebrar a vida, de fazer seu filho feliz, lá estava ela, levando-o pelas mãos, primorosamente vestido nas roupas feitas por suas delicadas mãos de costureira de classe, que herdou de sua mãe Dylla. A mesma alegria que Júnior retribuía, tantas vezes, à mãe: gostava de vê-la arrumada, de cabelo pintado – bastava aparecer a raiz branca e já ‘comentava’ – e que ela dançasse e namorasse.


E é esta alegria contagiante, imortalizada na foto em preto e branco de Fabiana Figueiredo, que deixo aqui como inspiração para todos.

Da irmã que te amou profundamente


***
About my brother (1960-2008)


To extend the meaning of `unique` in the text, I would like to add, as it appears in ‘Aurelio’, the Brazilian Portuguese dictionary `: `The only one. Of which specie there is no other similar. Exclusive; exceptional. That cannot be compared with any other one. It is said about the logic individual, which is a member of ones’ only individual class. `


I do believe that there is no relationship so unique as the one one might have with a special(*) individual. From the very first moment that a person decides to cross the line between the so-called `world of the normal` and the `world of the special`, an absolute relationship is born. What I am, the good I believe there is in me, I owe to my brother. It is a huge insight/revelation, an intuitive experience which takes over your soul, your entire mind and heart; changes everything around you and establishes/determines your actions, thoughts, ideas and ideals. The way you love and the way you fight. I talk in the present form of the verb, because it is an experience that happens all the time: infinite, constantly renovating and rewarding.

Since an early age that I cannot even remember precisely, I saw my inner bring down very heavy walls, such as prejudice. To learn in its absoluteness and with the power of a youthful mind and heart – and therefore still innocent - that we are all equal and that we should love everybody, it is a privilege. It is also like a domino effect in the building of the future adult, influencing the way he/she will see the world and how he/she will act in this world.

(This does not mean that either my brother or I were/are absolute beings, free of mistakes and imperfections. Anyone who got to know us is aware of our difficult personality: incisive, inquisitive, full of criticisms and demands. And that often we target people, people who we otherwise loved so much. To them all – and I dare speak in my brother’s name – we deeply apologise. Because, if I were blessed by this unique, subtle and intense learning experience, why I had not made better use of it? Why I was not nicer to All around me?)

My brother Junior invented his own language to replace common words, which he decided wouldn’t be part of his vocabulary (which means, in normal language, that he did not speak). The rhythmical swing of his body and his huge smile of absolute happiness, which touched everybody who experienced it, were his brand.

I remember arriving at an airport close to my home in Brazil one year; Junior and my mother came to pick me up. I imagined the scene when the exit doors finally opened. I thought: `He will be there, among all the others waiting for their loved ones. And he will make a big party and will show his smile and his laugh and will shout ‘Tá Tá! Tá Tá!’ (as he used to call me) and will rub his hands (as he used to do when something good was about to happen) and will invade the corridor which nobody invades and will grab me entirely and firmly in a huge hug. And I will look around beyond the `do not trespass` cord, and I will see enchanted faces fulfilled with sudden happiness, the kind they never experienced before and the kind that will be with them for a long time”. And that was exactly what happened when the doors opened.

There was his wisdom towards daily life and mundane questions, as when 12 years ago he explained to us why he did not want his mother to work anymore. As soon as Yara sat in front of the sewing machine, Junior would get very upset and pull her out of there. One day, while having breakfast with them, I asked him: “Junior, why do you not want mum to work any more? He replied quickly: “Hã hã! Hã, hã!” - his way of saying `no`, always strengthened by a head movement to make it very clear. And he pointed to me: “Tá Tá! Tá Tá!” And we had a big laugh. The same laugh we could not sustain when a politician appeared on the TV and Junior would show him/her the f* finger, accompanied by an expression of mockery.

His sense of humour was his most powerful weapon. He used it for almost everything, including against prejudice. Once, three men could not stop laughing at Junior’s expressions. They behaved so badly that a friend who was with Junior and our mother could not help herself and told them off. (How many times we had to tell off so many people!). But Junior did not give a damn. This day, after his friend came to his defence, he looked at the men, pointed his finger (not the f* one) at them and then it was his turn to have a good laugh, as saying: `You see. You could have spared yourselves from this one. Ha! ha! ha!”

His favourite TV series were comedies. When younger, The Three Stooges` and `Laurel & Hardie`. When adult, the Mexican comedy series `Chaves` and the Brazilian `Os Trapalhões`. But he hated Xuxa**! When Xuxa appeared on the TV screen, he would boo at her and change the channel.

Junior also did not throw trash on the streets: any left over food, paper or packaging, he would give to his mother to be binned.

And there was his wisdom and faith regarding spiritual questions! We are not a religious family, one that goes regularly to church, follows religious rituals or prays in loud voices. “God is inside me and inside my home”, says our mother with her well- known resoluteness and determination. Junior loved churches, because he perceived/saw a church as it should be: the home of God.

However, it was not only his pleasure in going to church that symbolized his faith in God. Very commonly, he would kneel in reverence, no matter where he was - on the streets, at home, any place - in the same way that Hindus and Muslims do, a gesture he learned from his cousin – a Brahman Krishna devotee - and which he adopted.

For Junior, life was there to be lived in all its splendour and plenitude, full of true joy and happiness, relishing every single minute of pleasure it gives you.

And this is what his mother, Yara, literally gave him for every single minute of his existence among us. At home or wherever there was a place where her son could celebrate life, she would be there, would take him by her hands, neatly dressed with clothes made by her skilful seamstress’ hands, a talent she inherited from her mother Dylla. The same happiness Junior would give back to her, so many times: he liked to see her well dressed, with her hair well groomed and dyed. When her white hairs started to show, he would `comment`. Junior also encouraged her to dance and to courting.

And it is this contagious happiness (immortalised in the black & white photo by photographer Fabiana Figueiredo) that I leave here for you all as an inspiration.


From your sister who deeply love(d) you
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(*) In Brazil the polite word used to refer to people with any disability is `special`. I prefer the word exceptional (excepcional), which has the same meaning in Portuguese and refers specifically to people who are mentally disabled, like my brother. Special embraces all people with any kind of disability.


(**) An ex-Miss Brazil turned model turned ex-Pelé girlfriend turned children’s celebrity, who has led for decades a brainless Brazilian children’s TV show, which made her one of the richest women in the world.