sábado, julho 09, 2005

London blasts - A gramática da ignorância

O verdadeiro terror é a ignorância dos que estão no poder em achar que mantendo boa parte da população na ignorância poderão assim controlar ainda melhor tudo à sua volta. O verdadeiro terror é sermos governados pela ignorância que semeia e gera ignorância, sem fim, sem limites, sem fronteiras.

Disse que ia escrever um pouco mais sobre as bombas sob Londres então aqui estou.... Rodeado pelos outros sete no dia das explosões, Blair falou como um ignorante.

'Vamos confrontar!', 'Inimigo sem face' eram as palavras vindas dos políticos ingleses no dia em que al-Qaeda bombardeou Londres. É claro que o inimigo tem face e ‘confrontá-lo’, que no jargão Bush-Blair significa retaliação com mais violência, é a solução mais imbecil possível.

Quem acompanha um pouquinho as notícias e cava um pouco mais, sabe que Osama Bin Laden espalhou um vírus e que esse vírus espalhou-se, principalmente, entre jovens muçulmanos desempregados, sem educação e sem uma perspectiva de ocupar lugar algum na sociedade – um perfil bem familiar aos que vivem do lado de baixo da linha do equador. Esta é a face dos responsáveis pelas bombas de ontem. Esta é a face dos soldados do al-Qaeda. E, na verdade, esta face está em todo lugar, mesmo nos países desenvolvidos. A concentração de renda afeta a todos, em menor ou maior grau.
(Há quem conteste. Há aqueles que sempre vão apontar para o fato de que nem toda violência tem sua raíz na questão social. Pois eu gostaria de ver esta teoria na prática e acredito que a única forma de prová-la seja diminuindo significativamente as diferenças sociais. Somente então poderemos provar tal afirmação. Sem uma distribuição de renda justa, sem as altas concentrações de capital e riquezas nas mãos de poucos, não vejo como desconectar estes episódios dos desníveis sociais).

E apesar de Bob Geldof ter feito, recentemente, um evento bonito e comovente, perdeu a grande oportunidade de atacar o problema de forma mais ampla: a África é global, o que acontece na África acontece em dezenas de outros países, centenas de estados, milhares de cidades e afeta bilhões. Claro que na África a situação é seríssima e há muito, muito tempo o mundo deve à África um pedido imenso de desculpas seguido de toda a ajuda necessária para torná-la a grande nação que era e ainda é. Uma nação que começou a se desmantelar com a invasão inglesa e holandesa, estabelecendo fronteiras que favoreciam os colonizadores, mas obrigavam tribos e povos rivais a dividirem o mesmo solo. Aí começa boa parte da história das recentes guerras civis em solo africano. E o vergonhoso Apartheid estabelecido, que todos dizem acabou, mas suas consequências podem ser vistas no comportamento das pessoas ainda hoje nas ruas de Johannesburg, por exemplo.

A miséria de vida, a perspectiva de tornar-se um não-humano há muito afeta até mesmo os que morreram e foram feridos ontem e antes em atentados semelhantes, provavelmente muitos deles participantes de marchas como a contra a Guerra do Iraq. Um círculo vicioso e viscoso do qual não escapam nem as famosas ONGs, que se beneficiam desta miséria recebendo o bolo destinado à combatê-la com a missão de administrar estes recursos....Chega de paternalismos - nenhum povo precisa dele ou o quer...Favoreçam as comunidades diretamente e a infra-estrutura à sua volta. Não pecisa nenhuma entidade de caridade estrangeira administrando os fundos à elas destinados. God bless Sérgio Bianchi e seu ‘Quanto Vale? Ou É por Quilo?`. Adoraria ver uma exibição especial do filme para um punhado de ONG’s escolhidas e ouvir o que têm a dizer.
Como comentou Sérgio Bianchi num debate sobre o filme, a partir do momento que você cria um produto, cria-se um mercado e, portanto, este produto não pode deixar de existir, de outra forma, seu mercado acaba. Há ONGs que desenvolvem trabalhos fantásticos, sem dúvida, mas não podemos perder o foco, magnificamente apontado por Sérgio. A pobreza tornou-se um produto e alimenta um mercado estabelecido, o das ONGs... Portanto, se for eliminada, eliminado é também o mercado que gira em torno dela. Pare, pense!

O grande desafio é: como nos livramos dos políticos e da política como vem sendo exercida no mundo hoje? Talvez tenha que começar pela reformulação da ONU – nenhum país individualmente deveria ter o poder de ir contra as decisões do órgão (a questão do veto). A ONU está também contaminada e precisa retomar seus princípios, mais local com leis globais. A lei básica dos direitos humanos deveria prevalecer acima de toda e qualquer lei e deveria ter uma aplicabilidade global. Hoje sua aplicabilidade é pura retórica: quantos documentários não foram mostrados na TV, pessoas sendo violentadas em lugares onde a ONU estava presente, mas seus soldados não podiam fazer nada porque eles não podiam ‘interferir’. Como assim? A ONU não pode interferir, mas os EUA podem?

Há também que reduzir por completo o poder armado das nações. Primeiro: banir totalmente a venda de armas como uma forma de comércio e enriquecimento dos países que as produzem. Arma não pode ser um produto que se vende de prateleira. Com uma ONU fortalecida – e o órgão tem estrutura, inteligência, história e know how mais do que suficientes para levar este trabalho adiante – o grande poder de fogo deveria se concentrar na ONU e os países seriam autorizados a ter apenas o equivalente para manter sua ordem interna.

Se a ONU fosse realmente forte, Bush não teria conseguido levar suas tropas ao Iraq, porque ele não recebeu autoriazação para tanto e aí mora o demônio. Ele mostrou ao mundo que a ONU não passa hoje de um órgão de aparência. A melhor instituição política que o ser humano já conseguiu criar está sem face, sem poder, centralizada e vítima de sua própria ambição. A questão das armas é seríssima. Se não criarmos novos mecanismos para controlar o uso de armas, nada vai mudar. O que mantém os políticos e sua política no poder é o fato de terem o poder sobre as armas e, consequentemente, o controle da violência. E quem tem mais armas, grita mais alto. Política baseada ainda no tempo das cavernas: quem tem o tacape mais forte, degola mais rápido o outro.

E em relação aos muçulmanos, como vários jornalistas e vários muçulmanos vêm apontando, o mundo muçulmano também tem que enfrentar com mais determinação seus radicais. Eu já fui e ainda sou radical em vários aspectos chaves de minhas ideologias. Na minha opinião, não é no radicalismo que mora o perigo. O radicalismo pode ser um ótimo instrumento no amadurecimento saudável e inteligente de mentes novas.

O terror nasce da ignorância que permeia certos radicalismos e a dose cavalar de discriminação e preconceito que carregam. Não sou relativista cultural e não venha me dizer que as mulheres muçulmanas são felizes em vestir um véu ou uma burka, por exemplo. Eu já fui a um casamento radical muçulmano, onde as mulheres ficavam em uma sala de venezianas abaixadas em pleno dia de sol – negar a elas a celebração de um casamento com a luz do sol entrando pelas janelas, apenas porque os homens que por lá passariam poderiam ‘vê-las’. Nenhuma tinha uma face feliz. Ou basta ler qualquer best seller que aborde a cultura muçulmana, como Brick Lane, de Monica Ali. Ou as colunas de Reem Haddad no New Internationalist. São pequenas mostras de que temos sim que entender melhor as diversas culturas que habitam o planeta, e o exercício é iluminador – por exemplo, descobrir que a solidariedade é típica de todos os povos (outro jargão). Mas uma palavra desconhecida das grandes corporações e dos políticos que fazem parte de suas folhas de pagamento, na qual a moeda mais forte é o Poder.
O verdadeiro terror é a ignorância dos que estão no poder em achar que mantendo boa parte da população na ignorância poderão assim controlar ainda melhor tudo à sua volta. O verdadeiro terror é sermos governados pela ignorância que semeia e gera ignorância, sem fim, sem limites, sem fronteiras.

4 comentários:

Rubs troll disse...

Querida Sonia Concordo com tudo que voce escreveu.Que sabedoria e clareza...
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"...Eu já fui a um casamento radical muçulmano, onde as mulheres ficavam em uma sala de venezianas abaixadas em pleno dia de sol –... Nenhuma tinha uma face feliz."

Talvez eles estivessem todas menstruadas.

John disse...

Acho que isso é alguma nova espécie de récorde de Rubs Truncho...

Ainda bem que vc já está acostumada.

Sônia, bem-vinda!!!

Beijos,

John

Oswaldo Akamine disse...

Sônia,

Pô, que texto legal. A velha SM de volta ao spotlight. Dê uma olhada no que escreveu a Anna Carolina, em http://darbanville.blogspot.com, que também mora por aí.

Abraço,

Akamine

soniamaia disse...

Este é o comentário de Leni Anis, que me mandou por email, e resolvi incluir aqui porque achei que acrescenta legal... Obrigado a todos por seus comentários...

'Parabens pelo blog. Eu nao sei como participar mas quero dizer que faco coro a sua voz.

Fico indiguinada, durante campanhas como a Live 8 por exemplo, ,com a ausencia em "name and shame" corporacoes e paises que se benificiam com a pobreza, ditaduras e instabilidade social na africa assim como em outros paizes

Quantas vezes ouvi depoimentos (radio 4) de caridades africanas sobre o mal uso do dinheiro, alimentos e ajuda em geral. Usado pelos governos locais para perpetuar a opressacao de seus proprios compatriotas de etinias diferentes. O mesmo se aplica a interesses financeiros (petroleo e diamantes, por exemplo) que financiam a corrupcao e ate mesmo guerras civis, para desestabilizar governos locais e enfraquesser a socieda civil.de forma que possam con=ntinuar a exploracao de preciosas comodidades.

Tbm viagem para o oriente medio e fiquei chocada ao ver sob um sol
tremendo mulheres entrando no mar para brincar com suas criancas, e
maridos completamente vestidas de preto.

Entendo que finalizar a opressao dos palestinos em gaza assim como o reconhecimento publico do imenso erro com iraque tem que fazer parte do combate contra o terror. Mas nem por um segundo eu partilho com a ideologia do terror, particurlamene reconhecendo a opressao feminina no seio de muitas dessas ideologias.'