domingo, junho 18, 2006

A Guerra Civil em São Paulo e no Brasil

O estado de guerra instaurado em São Paulo em maio passado reforçaram, de um lado, características muito particulares do Brasil e, de outro, uma doença mundial da qual parece jamais nos livraremos: a ganância pelo dinheiro e poder, que gera a miséria de tantos, e nosso selvagem instinto matador.

Enquanto ao telefone minha mãe narrava chocada a guerra que se travava entre policiais e criminosos nas ruas de São Paulo, suas frases eram entrecortadas, hora ou outra, por esta: “mas, filha, você tem que ver como o homem é bonitão.” O tal homem é o líder do tal Primeiro Comando da Capital. O Brasil tem este culto pelo mito do malandro e do bandido, muito presente principalmente em nossa música popular. Apesar de ser prática em todo mundo criminosos famosos transformarem-se em personagens de livros e filmes, acredito que em poucos lugares do planeta virem heróis também na vida real. Não quer dizer que minha mãe está do lado do bandido só porque ele é `bonitão`, mas o comentário é emblemático. No Brasil, políticos, policiais e bandidos são, na verdade, farinhas do mesmo saco. E porque os últimos deveriam exercer um papel limpo e honrado e isso raramente acontece, parece natural que sejam mais odiados que os primeiros. Afinal, é de se esperar que um bandido atue como tal. O quadro poderia valer para diversos outros países. Mas nestes parece existir uma linha divisória mais definida, o que não acontece no Brasil e este talvez seja o motivo maior para essa sensação mórbida que acompanha todo brasileiro: a de que o Brasil nunca mudará.

Foi alardeado que, para conseguir conter a onda de violência, o governador de plantão – já que o eleito está em campanha eleitoral – fez acordos com os chefões da máfia do tráfico. Ninguém duvida disso e estes acordos acontecem em conversas tipo de colega para colega, esta é a verdade. Quando sentam para conversar, fica difícil distinguir quem é quem: ambos usam da mesma linguagem, dos mesmos subterfúgios e das mesmas táticas porque são gêmeos, com a única diferença de que um atua dentro da lei e o outro fora da lei. Nas ruas, esta premissa torna-se evidente: o confronto entre policiais e bandidos parece mais guerra entre gangues do que policiais em sua “luta para manter a ordem e a paz” (nossa, como a frase soa impiedosamente inverossímel).

Na verdade, a maioria dos policiais e bandidos têm origem social semelhantes É de conhecimento público que muitos policiais escondem sua farda antes de chegar em casa para que os bandidos do bairro – ou da favela - não o reconheçam. O policial mora no mesmo bairro do bandido. Daí percebe-se o poder aquisitivo de um policial e, consequentemente, seu salário. Numa longa e exaustiva reportagem sobre crianças abandonadas nas ruas de São Paulo no início da década de 90, perguntei o que elas queriam ser quando crescer e a resposta era recorrente: policiais. Parecia ser a única saída futura para aquele presente de horror em que viviam, vivem. Fora da escola e do seio familiar, policiais e bandidos eram os únicos personagens reais numa vida de pesadelos. O desejo de tornar-se policial carregava em si um misto de sede de poder – toda criança tende a querer ser algo que lhe soa importante -, auto-defesa e o ideal em construir um mundo melhor.

Há algum tempo, quando ainda morava em São Paulo, lembro do suicídio de um policial que justificou seu ato na desilusão de sua luta em fazer-se ouvir dentro de uma organização apodrecida pela corrupção, violência e má conduta. Suas reclamações, pedidos de apoio e mudanças eram não apenas ignorados, como não raro tratados em tom jocoso.

Eu tenho uma tendência incontrolável para a crítica impiedosa e apesar de meus escritos finalizarem, na maioria das vezes, com um tom ácido e de desesperança, tenho um coração repleto de amor e minha alma trava uma luta diária para tornar-me uma pessoa mais amável e flexível. É muito fácil se unir ao coro dos “este país não tem solução”. Tenho medo de perder o foco. Eu tinha citado no texto original a frase de um político, mas como considero a política o grande mal estar do mundo moderno, não vou dar-lhe créditos. Mas alguém já disse algo semelhante: "nunca cuidamos devidamente de nossos jovens e crianças. Se o governo tivesse investido em educação, certamente muitos destes jovens que estão na prisão hoje estariam trabalhando, dando aula ou estudando”. Não existe outra saída. Mas a elite brasileira não se interessa. A mídia brasileira não se interessa. Se houvesse interesse em construir um país de verdade, de investir na construção de uma sociedade mais justa, os jornais teriam versões e arquivos para consulta gratuítos na Internet e livros teriam edições a preços mais acessíveis. Pequenos exemplos do mundinho pequeno e mesquinho dos que comandam o Brasil.